domingo, março 04, 2007

No mar da indefinição

Estava numa praça, no meio da cidade, cheia de gente e carros a passar - definitivamente, hora de ponta. Sozinho, sentado num dos bancos da praça, observava descuidadamente as pessoas passando, enquanto bebia uma cerveja. Notava claramente a diferença entre o que estava parado - os edifícios - e o que se movimentava - as pessoas, os carros. Era o fim de mais um dia para todas aquelas pessoas que apressadamente rumavam a suas casas, cumprindo assim o seu destino. Embrenhado na sua solidão, parecia-lhe abruptamente que toda aquela gente que passava - desconhecidos - ressoava na sua cabeça, como se cada pessoa constituinte da multidão fosse um átomo indistinto de todos os outros que urgiam o mesmo efeito mental no observador, que se sentia acompanhado pela sua solidão. Subitamente, não sabia onde estava ou quem era - todas as definições haviam-se dissipado no movimento da multidão, tudo era de uma vez desconhecido. Assim, prostrou-se perante o grande mistério e caiu no mar da indefinição, como se fosse de novo criança. Não tinha respostas para nada porque tudo se lhe apresentava como novo, pela primeira vez. A sua existência mostrava-se como um enigma que lhe parecia insolúvel, e apeteceu-lhe representar para toda aquela gente, pois era a única forma de se redefinir, representando. Tornar-se-ia o grande questionador ou o grande idólatra, de acordo com a sua representação. Tinha tomado consciência de que a existência não era senão um único grande acto em que para além do presente e dos conteúdos da memória nada havia, senão ignorância. Não sabia por que qualquer coisa existia, incluindo si próprio.

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