sexta-feira, agosto 31, 2007

Beleza

A beleza tem tristeza. Como se fosse algo de onde viemos, de que nos separámos ou de que somos diferentes, e que morreu ou que morreu em nós, permanecendo já só como ideia, invocada mas não realizada, inatingível, como recordação.

Talvez as emoções sejam mecanismos accionados quando somos incapazes de racionalizar um problema, que então tentamos entender representando-o simbolicamente, tentando agregar as suas diferentes componentes num símbolo constituído por partes ou símbolos, ou naquilo a que propriamente chamamos "ideia", não como em "tive uma ideia: vou comer um gelado", mas como em "a ideia da beleza", "a ideia da justiça", etc.

No caso da beleza, tendo em conta os diferentes componentes que acima identificámos, talvez se trate da procura de uma resposta para o porquê da finitude, da separação das coisas e do porquê de terem vindo a ser.

Seja como for, a beleza é difícil de ser racionalizada, explicada, decomposta em partes; de identificar a sua origem e o que dela vem.
Tememos o que desconhecemos, especialmente a morte. Penso que o que nos assusta não é podermos ficar inconscientes para sempre mas, pelo contrário, podermos não ficar inconscientes e, de algum modo, numa situação em que soframos sem que possamos agir para acabar com esse sofrimento. O que nos assusta? O sofrimento.
A beleza começa onde a razão acaba.

quinta-feira, agosto 30, 2007

A Via da Verdade

"Vamos, vou dizer-te - e tu escuta e fixa o relato que ouviste -
quais os únicos caminhos de investigação que há para pensar:
um que é, que não é para não ser,
é caminho de confiança (pois acompanha a verdade);
o outro que não é, que tem de não ser;
esse te indico ser caminho em tudo ignoto,
pois não poderás conhecer o não ser; não é possível,
nem mostrá-lo [...]
[...] pois o mesmo é pensar e ser", in Parménides, Da Natureza, Alda editores.


O ser é o que é e que não pode não ser.
O que não pode não ser é o que tem de ser.
O que tem de ser é o que necessariamente é.
O ser é o que necessariamente é.
O não-ser é o que necessariamente não é.

O verbo "ser", a itálico, exprime a relação de identidade. Assim, o ser é idêntico ao que é, o não-ser é idêntico ao que não é. Se o ser é idêntico ao que é, o ser é idêntico a tudo, pois diz-se de todas as coisas que elas são alguma coisa. Contudo, quanto ao não-ser, se é idêntico ao que não é, não é idêntico a nada, pois se fosse idêntico a algo, e esse algo seria qualquer coisa, o não-ser seria idêntico ao ser. Por isso, o não-ser não é idêntico a nada, incluindo a ele próprio, sob pena de ser; por não ser idêntico a nada, não pode ser pensado, pois seria idêntico a algo. Se pode ser pensado, é ser e se é ser, pode ser pensado.

quarta-feira, agosto 29, 2007

Teorias Contraditórias

No post anterior, dissemos que de uma contradição tudo se segue. Quais as consequências disso para uma teoria? Karl Popper responde:

" (...) se uma teoria contiver uma contradição, comportará então tudo e, justamente por essa razão, não comportará, de facto, nada. Uma teoria que acrescente a toda a informação que transmite a negação dessa informação não poderá dar informação alguma" in Karl Popper, Conjecturas e Refutações, p. 426, Almedina.

terça-feira, agosto 28, 2007

Argumentos

Os argumentos são meios para justificar conclusões. São constituídos por premissas e conclusão, sendo que aquelas justificam, não justificam ou justificam parcialmente esta. Há dois tipos de argumentos: dedutivos e indutivos. Os argumentos dedutivos são aqueles em que as premissas justificam a conclusão e os argumentos indutivos são aqueles em que as premissas justificam parcialmente a conclusão. Um exemplo de um argumento dedutivo é "todos os estudantes daquela escola são maus estudantes, ele é estudante daquela escola, logo é mau estudante" e um exemplo de um argumento indutivo é "99 por cento dos estudantes daquela escola são maus estudantes, ele é estudante daquela escola, logo é mau estudante".


Diz-se, dos argumentos dedutivos, que são válidos ou inválidos (e não verdadeiros ou falsos); acerca dos indutivos, não se diz que são válidos ou inválidos, mas apenas que as premissas justificam com maior ou menor força a conclusão. Os argumentos válidos são aqueles em que as premissas justificam a conclusão e os argumentos inválidos são aqueles em que as premissas não justificam a conclusão (o que é diferente de "justificar parcialmente").

Há três propriedades muito importantes dos argumentos: validade, consistência e solidez. Um argumento é válido se, e só se, não é possível que as suas premissas sejam verdadeiras e a conclusão falsa. Um argumento é consistente se, e só se, é possível que as suas premissas sejam todas verdadeiras. Um argumento é sólido se, e só se, é válido e tem premissas verdadeiras. A validade é importante porque permite-nos passar de verdades - premissas - para verdades - conclusão; assim, a validade permite preservar o valor de verdade. A consistência é importante porque assegura que não estamos a usar premissas contraditórias, pois quando é impossível que duas premissas sejam ambas verdadeiras, estamos perante uma contradição (de onde tudo se segue). Por fim, a solidez é importante porque se um argumento é válido e tem premissas verdadeiras, a sua conclusão é verdadeira (e justificada).

Alguns argumentos inválidos:

1- O céu é azul e a relva é verde. Logo, o Sol é amarelo.
2- O céu é azul ou a relva é verde. Logo, o céu é azul.
3- Se o céu é azul, a relva é verde. A relva é verde. Logo, o céu é azul.
4- Se o céu é azul, a relva é verde. O céu não é azul. Logo, a relva não é verde.


Alguns argumentos válidos:

5- O céu é vermelho e a relva é lilás. Logo, o céu é vermelho.
6- O céu é vermelho ou a relva é lilás. Logo, o céu é vermelho ou a relva é lilás.
7- O céu é vermelho. Logo, o céu é vermelho ou a relva é lilás.
8- Se o céu é vermelho, a relva é lilás. O céu é vermelho. Logo, a relva é lilás.
9- Se o céu é vermelho, a relva é lilás. A relva não é lilás. Logo, o céu não é vermelho.

sexta-feira, agosto 24, 2007

Operadores Verofuncionais

Operadores verofuncionais de formação de frases são expressões(como "e", "ou", "não", "se, então", "se e só se") que podemos juntar a frases (como "neva", "está frio") para formar outras frases (como "neva e está frio", "neva ou está frio", "não neva", "se neva, está frio", "neva se e só se está frio"). A estes operadores de formação de frases chama-se verofuncionais, porque o valor de verdade (na lógica bivalente, há dois valores de verdade: verdade e falsidade) das frases que estes formam depende exclusivamente do valor de verdade das frases usadas para as formar e da função do operador. Assim, por exemplo, o valor de verdade da frase "neva e está frio" depende exclusivamente do valor de verdade das frases "neva" e "está frio" e da função do operador "e". No caso de "neva e está frio", a frase só será verdadeira se ambas as frases, "neva" e "está frio", forem verdadeiras, o que já não é o caso para a frase "neva ou está frio", que será verdadeira quando pelo menos uma (e não necessariamente mais que uma) das frases, "neva" ou "está frio", for verdadeira.

Como o valor de verdade das frases formadas por operadores verofuncionais e outras frases depende exclusivamente do valor de verdade das frases usadas para as formar e da função do operador, podemos imaginar todos os casos possíveis para frases formadas por operadores verofuncionais e outras frases. Assim, por exemplo, para a frase "neva e está frio", formada pelas frases "neva" e "está frio" e pelo operador "e", podemos imaginar o caso em que ambas as frases ("neva", "está frio") são verdadeiras, o caso em que ambas são falsas, o caso em que apenas "neva" é verdadeira e o caso em que apenas "está frio" é verdadeira. Não é possível imaginar outros casos. No primeiro caso, a frase conjunta, "neva e está frio", é verdadeira; no segundo, é falsa; no terceiro, é falsa; no quarto, é falsa.

Frases declarativas exprimem proposições. Assim, a frase "neva" exprime a proposição "que neva" ou "é verdade que neva" e a frase "está frio" exprime a proposição "que está frio" ou "é verdade que está frio". Para formalizarmos a linguagem informal, neste caso o português, substituímos as frases portuguesas por aquilo a que chamamos letras proposicionais. Assim, por exemplo, podemos substituir a frase "neva" por P e a frase "está frio" por Q, ambas letras proposicionais. Daqui se segue que já podemos dizer "P e Q" em vez de "neva e está frio". Mas a formalização ainda não está completa. Para que tal aconteça, temos também de substituir o símbolo que indica o operador verofuncional, "e", por um símbolo lógico. O símbolo lógico que substitui "e" é algo semelhante a ^. Deste modo, já podemos formalizar completamente a frase "neva e está frio". Fica assim: P^Q.

Há símbolos lógicos para todos os operadores verofuncionais (relembrando os operadores: "e", "ou", "não", "se, então", "se e só se"). Para que serve a formalização? Para além de ser mais económico, especialmente se as frases portuguesas forem grandes, permite-nos determinar o valor de verdade não já de uma frase particular como "neva e está frio" mas o valor de verdade de qualquer frase que tenha a forma lógica igual à forma de "neva e está frio" ou "as ondas estão grandes e o surfista está na crista da onda" ou "ele sorriu e ela chorou", etc., todas elas frases com a forma lógica P^Q.

Assim, podemos construir aquilo a que se chama tabela de verdade para qualquer frase com a forma lógica P^Q - se ambas, P e Q, são verdadeiras, P^Q é verdadeira; se ambas são falsas, P^Q é falsa; se só P é verdadeira, P^Q é falsa; se só Q é verdadeira, P^Q é falsa. Podemos construir tabelas de verdade para todos os operadores verofuncionais. Por exemplo, na tabela de verdade do operador "ou", verificamos que basta que uma das frases usadas para formar a frase com o operador seja verdadeira para que esta última seja verdadeira.

Os nomes dos operadores verofuncionais de formação de frases são os seguintes: "e" (conjunção), "ou" (disjunção), "não" (negação), "se, então" (condicional), "se e só se" (bicondicional).


Notas:
- o aspecto de uma tabela de verdade em: http://pt.wikipedia.org/wiki/Tabela_verdade#Tabelas_das_Principais_Opera.C3.A7.C3.B5es_do_C.C3.A1lculo_Proposicional

- livro que recomendo (vivamente) como introdução à lógica: "Lógica: um curso introdutório", de W. H. Newton-Smith, da Gradiva.

quinta-feira, agosto 23, 2007

Universais

Há um problema filosófico que é o problema dos universais. Eis o problema: há objectos particulares, por exemplo Sócrates e William Petersen. Sócrates é diferente de William Petersen. Porém, dizemos de Sócrates que é um ser humano e dizemos de William Petersen que é um ser humano. Assim, dizemos que há algo em comum entre Sócrates e Petersen: a propriedade da humanidade. Chamamos "Universal" à propriedade da humanidade - porque é um objecto que está presente em muitos objectos (um em muitos: em Sócrates, em Petersen...), um objecto que se predica de muitos objectos ("Sócrates é humano", "Petersen é humano", "Aristóteles é humano"...; contrariamente, os particulares não se predicam de nenhum objecto: no máximo, dizemos "Sócrates é Sócrates", o que expressa uma identidade e não uma predicação) - e a muitas outras, mas não a todas, pois a propriedade de ser a pessoa que está a escrever este texto às cinco da tarde no computador nº 8 da Biblioteca Municipal de Aljustrel só pode ser predicada de uma pessoa. Mas chamaremos de facto correctamente "universal" a uma propriedade? Há universais? E, se os há, que tipo de objectos são (abstractos? Concretos? Mentais?), que universais existem (propriedades? Relações? Proposições? Números? Nenhum deles? Todos eles?) e como se relacionam com os particulares?

quarta-feira, agosto 22, 2007

Se o Sherlock Holmes abstracto existisse,
seria Holmes e fumaria cachimbo,
e seria abstracto e não fumaria cachimbo.
Por isso, o Sherlock Holmes abstracto não existe.
Se o triângulo abstracto existisse,
seria triângulo e teria três lados,
e seria abstracto e não teria lados.
Por isso, o triângulo abstracto não existe.
Se a existência do mundo é contingente,
há um mundo possível em que o mundo não existe.
Mas isso é impossível.
Logo, a existência do mundo não é contingente.

Se a existência do mundo não é contingente,
ou é impossível ou é necessária.
Mas se a existência do mundo fosse impossível,
ele não poderia existir.
Mas existe.
Logo, não é impossível.
Por isso, a existência do mundo é necessária.

Se a existência do mundo é necessária,
ele não poderia não existir,
e se não poderia não existir,
não pode não ter existido e não pode não vir a existir
(casos em que não existiria e em que, logo, poderia não existir, o que é contraditório com não poder não existir),
e se não pode não ter existido e não pode não vir a existir,
é eterno.
O mundo é eterno.

Se o mundo é eterno,
não começou a existir,
e se não começou a existir,
nada o criou,
e se nada o criou,
não tem criador,
e se não tem criador,
Deus não existe.
O mundo é eterno.
Deus não existe.

segunda-feira, agosto 20, 2007

Se o filósofo não usar a lógica,
pode chegar a conclusões falsas,
mesmo que parta de premissas verdadeiras:
caso em que os seus argumentos são inválidos.
Mas o filósofo quer chegar a conclusões verdadeiras, e justificadas,
partindo de premissas verdadeiras:
caso em que os seus argumentos são válidos, consistentes e sólidos.
Por isso, deve usar a lógica.
Se não há uma causa incausada do mundo,
a cadeia de causas regride ao infinito,
e se a cadeia de causas regride ao infinito,
o mundo não tem uma causa.
Por isso, se o mundo tem uma causa,
há uma causa incausada do mundo.
Se cada objecto tem uma causa física,
a cadeia de causas físicas regride ao infinito,
e se a cadeia de causas físicas regride ao infinito,
não podemos explicar a causa de nenhum objecto.
Por isso, se cada objecto tem uma causa física,
não podemos explicar a causa de nenhum objecto.

sexta-feira, agosto 17, 2007

Os significados são memórias.
As memórias são mentais.
Os significados são mentais.

terça-feira, agosto 14, 2007

Se a frase "não há verdades necessárias" é verdadeira, ela não pode ser verdadeira em todos os mundos possíveis, pois desse modo seria necessariamente verdadeira. Logo, há pelo menos um mundo possível em que a frase "não há verdades necessárias" é falsa e em que, logo, a sua contraditória, "há verdades necessárias", é verdadeira. Mas para que a frase "há verdades necessárias" seja verdadeira em pelo menos um mundo possível, ela tem de ser verdadeira em todos os mundos possíveis. Ora, ela é verdadeira em pelo menos um mundo possível. Logo, é verdadeira em todos os mundos possíveis. Logo, há verdades necessárias.

segunda-feira, agosto 13, 2007

Não há verdades necessárias.
O mundo é um acto da imaginação.
A verdade é o mundo.

quinta-feira, agosto 09, 2007

Ninguém está em lugar algum.
A justiça é bela.