Deus, Eu, Mundo

Este é um texto cujo principal objectivo é explicitar o que é o Eu mas que, para tal, o relaciona com Deus e o Mundo, não só por necessidade, mas também para explicar o que é a realidade, pois é o que tem vindo a ser feito desde o post sobre Deus. Enquanto explica a natureza do Eu (substância, permanência) e do Mundo (propriedades, impermanência), falha em explicar a natureza de Deus (daí os parênteses quando Deus é, abaixo, abordado). Note-se que a introdução da noção de Eu acabou por implicar uma revisão da noção de Mundo, tal como aparece neste post. Não sei se a noção de Deus, tal como aparece no post acima citado, será revista, pois ainda não relacionei esse post com este:

O eu é aquilo que, num sujeito, permanece.
O eu é propriamente o sujeito, aquilo onde ocorrem as propriedades.
É, assim visto, um centro.
O centro ao qual se ligam todas as propriedades, que vão e vêm.
Num mundo em que tudo se transforma, o eu é intransformável,
É aquilo que permanece.
Assim, está fora do mundo.
Nesse sentido, o eu é sem princípio nem fim,
Eterno,
Sempre existente.
Está fora do mundo,
Mas constitui-o ("O sujeito não pertence ao mundo, mas é um limite do mundo", Wittgenstein),
E separamos então as propriedades (o mundo),
Do eu (o seu suporte, o seu substrato, a sua substância).

Como explicar que o eu é eterno, incriado, imperecível?

Nada de realmente novo acontece,
A areia são montanhas, os prédios são pedra,
Tudo é a transformação de algo.
O eu, entendido enquanto substância que é potencialmente qualquer coisa,
É a matéria a partir do qual o mundo é feito,
É a matéria incriada que permite todas as transformações,
E, porquanto antes não tínhamos nascido,
Aquilo que viríamos a ser existia já sob uma outra forma,
E, porquanto morreremos,
Aquilo que viremos a ser seremos nós sob uma outra forma,
E a individualidade que cada um de nós é,
Sempre o foi e será,
E sempre foi e será portadora das mais díspares propriedades,
Enquanto será ela própria, eternamente, a mesma.

(Há tantas individualidades quanto há coisas diferentes.
Há tantos eus quanto há coisas diferentes.
E sempre os houve, em igual número,
E assim para sempre os haverá.
Esses eus não são senão a individualização de uma mesma coisa,

O inominável,

Pois é a Substância para lá da substância,
O Centro para lá do centro,
A Fonte de onde tudo provém,
E que em tudo está e que tudo é.)

Se o eu é aquilo que aceita potencialmente qualquer coisa,
Mas que não tem potência de ser para lá de si próprio,
Que é limitado pela necessidade de ser si próprio,
Que é passivo, pois é centro de aceitação de propriedades,
Centro substancial de transformações,
Centro permanente de impermanências...

(A Fonte é aquilo que é potencialmente qualquer coisa,
Ilimitada, passiva e activa,
Porquanto dá e recebe propriedades,
Afecta e é afectada,
É toda a potência e todo o acto,
Ou, talvez,
O que é possível,
Se limite a Si mesma na construção dos eus,
Mas, como dissémos atrás,
Sendo os eus eternos,
Os eus são a limitação eterna de Si mesma,
Que é completa e, portanto, limitada e ilimitada.)