sexta-feira, outubro 12, 2007

Um diálogo acerca da objectividade, da subjectividade e do conhecimento

Não estou a dizer que a realidade não é objectivamente algo. Mas, no dia em que alguém disser que a realidade é objectivamente seja o que for, perguntar-se-á:

- Objectivamente, o que é a subjectividade?
- Objectivamente, é subjectividade.
- Então, a realidade não é objectivamente coisa nenhuma.
- A realidade é objectivamente uma coisa e subjectivamente outra.
- Que coisas?
- Objectivamente subjectiva e subjectivamente objectiva.
- Mas se é subjectivamente objectiva, não é subjectiva?
- É.
- E, se é objectivamente subjectiva, não é objectiva?
- Por certo, sim...
- Então, dizes que é objectiva e subjectiva?
- Exactamente.
- Mas, não és tu que compreendes a realidade?
- Sim, compreendo-a.
- E compreende-la para lá da tua subjectividade?
- Sim, compreendo que há objectividades.
- Não te perguntei se há objectividades, mas se és tu que a compreendes?
- Sim, eu e os outros que a analisam.
- E tu e os outros, saem de vocês mesmos porquanto a compreendem?
- Creio que não entendo a tua questão...
- Tudo bem. Reformulo-a: tu compreendes a realidade a partir de ti, certo?
- Certíssimo.
- Então, a realidade é realidade para ti?
- Obviamente.
- E para os outros, é realidade para eles?
- É.
- E, no seu todo, é realidade para todos?
- É realidade para todos.
- Mas cada um compreende a realidade a partir de si, certo?
- Certo.
- E pode compreendê-la a partir de outro?
- Que loucura! Naturalmente que não!
- Então, também não pode compreendê-la a partir de nenhum...
- Sabes que darias um bom comediante?
- Talvez, meu caro, talvez... Mas quero perguntar-te o seguinte: a realidade é realidade para ti, para os outros é para eles... Não é assim?
- É assim, é.
- E todos vocês são sujeitos?
- Sim, todos somos sujeitos.
- E diz-se que a realidade é subjectiva se é realidade para um sujeito?
- Diz-se.
- Então, para todos e cada um de vós, a realidade é subjectiva?
- Agora que o pões sob esse ponto de vista, penso que sim.
- Pensas? E esse pensar é objectivo ou subjectivo?
- Penso-o objectivamente.
- Mas, se o teu pensamento é pensamento para ti, que és sujeito, como pode ser assim?
- Tenho plena consciência de que é, objectivamente, pensamento para mim.
- É? Então sabes, por certo, o que é o pensamento?
- Sei, é o raciocínio.
- Interessante. E o que é o raciocínio?
- É a transformação de premissas em conclusões.
- Muito bem. E como obténs as premissas, as frases de que partes?
- Oh, que parvoíce. Naturalmente, na minha capacidade de pensar acerca do que vejo.
- Mas pensar não é transformar premissas em conclusões?
- Agora que o dizes, tenho de rever a minha posição.
- Muito bem. Qual é, então, a tua posição?
- Pensar é não só transformar premissas em conclusões mas, também, a capacidade de transformar em linguagem o que percepciono ou sinto.
- Então, a linguagem que usas, provém da tua experiência do mundo?
- Sim, provém. Mas onde queres chegar?
- Quero chegar ao seguinte: se o teu pensamento, que dizes ser objectivo, provém da tua experiência subjectiva do mundo, ele não pode ser objectivo, tal como o que é frio não pode ser transformado no que é quente, a menos que exista uma fonte de calor. E tu, diz-me, qual a tua fonte de calor?
- A minha fonte de calor? A certeza que tenho de que os meus pensamentos espelham perfeitamente a realidade.
- Certeza? Como? Se o que vês logo desaparece e se torna intangível... Todos os teus pensamentos são acerca de algo que já não existe, a menos que sejam pensamentos acerca da tua própria experiência e, ainda assim, não da tua experiência disto ou daquilo, mas acerca da própria experiência.
- De facto, parece-me que tens razão.
- Talvez, meu caro, talvez. Mas, diz-me: mesmo que o que vês não desaparecesse nunca, como terias a certeza de estar a ver o que estarias vendo, se podes, até, duvidar de estar a ver coisa alguma?
- Na verdade, não tenho a certeza. Mas posso dizer que tenho opinião.
- Claro, sem dúvida.
- E que comparo a minha opinião com as dos meus colegas e, por vezes, coincidem, por outras, não.
- Seria estranho se assim não fosse. Mas diz-me: todas as tuas opiniões são opiniões para ti e as deles opiniões para eles?
- Sim, são; mas, por vezes, as opiniões deles tornam-se minhas e as minhas, penso, deles.
- Trocam opiniões, portanto?
- E de que maneira!
- E consideram objectivas as opiniões que passam de uns para os outros?
- Sim, essas.
- Mas, se uma opinião passa de um sujeito para o outro, não se torna ainda mais subjectiva do que se fosse opinião de apenas um sujeito, tal como o frio que passa para o frio o torna mais frio do que era?
- Não, porque as opiniões não funcionam desse modo. Eu explico-te.
- Explica, porque estou desejoso de conhecer a tua explicação.
- Uma opinião, quando passa de um sujeito para outro, torna-se mais objectiva, ao retornar dessoutro sujeito ao primeiro.
- Muito bem. Então, torna-se objectiva ao passar para o terceiro sujeito.
- Sim, isso mesmo.
- Mas se adicionarmos duas vezes frio ao frio, ele não se torna triplamente frio em relação ao que era? É que, parece-me, não explicaste bem a tua posição.
- Estás a gozar comigo?
- Não, quero mesmo saber a tua posição, porque caminho às cegas neste tema.
- Então, eu mostro-te a minha posição: a objectividade surge da tripla subjectividade. Há algo, na subjectividade, que a transforma em objectividade quando a subjectividade é tripla. Percebeste, agora, a minha posição?
- Julgo que sim. Para ti, o frio transforma-se em calor quando lhe adicionamos uma quantidade em duas vezes superior o frio que ele é. E, por certo, tornar-se-á infinitamente calor quando lhe adicionamos uma quantidade infinita de frio.
- Estás a gozar comigo? Achas mesmo que a objectividade não existe?
- Não acho que existe, nem que não existe. Apenas, ponho em dúvida que exista.
- Pões? Mas, então, objectivamente, pões em dúvida a existência da objectividade?
- Objectivamente, não, porque é dúvida para mim, que sou sujeito, penso.
- Mas o que é que tu sabes, se nem sabes sequer se és sujeito?
- Pois é, revela-se estranha a minha condição, esta de nada saber.
- Nada sabes? Então sabes, ao menos, que não sabes e, por isso, sabes?
- Não, meu caro, quando te digo que é estranha, a minha condição, digo-te que é a de duvidar de tudo, abdicar de todas as certezas que durante tanto tempo ostentei.
- Duvidas de tudo? Então, duvidas que duvidas?
- Duvido que duvido, na verdade, se nem sei se existo! Como posso duvidar, se não existir?
- Mas se duvidas, existes! Não te é evidente?
- Foi, outrora; mas, agora, nem sei se outrora foi...
- Sabes, ao menos, que estás a falar comigo?
- Se nem sei se existimos...

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