No post anterior, é dito que tudo muda. Isso vai contra o que foi antes dito; que eu sou uma mesma propriedade que, eternamente, ao longo da sua existência, vai sendo ligada a diferentes propriedades, de maneira que é um corpo humano, depois é um corpo humano em degradação, depois matéria orgânica compondo o solo ou cinzas, etc. Mas diz-se que, em todos esses casos, há algo que permanece e, portanto, nem tudo muda. Isso vai contra a nossa noção de tempo como constante mudança e da constante mudança como eterna mudança, eternidade. Por isso, ou dizemos que nem tudo muda e há eternidade, sendo que esta não pode, então, ser concebida como constante mudança, ou definimo-la como constante mudança e rejeitamos a ideia de que algo permanece. Estou mais inclinado para a primeira opção, pelo seguinte: antes de eu existir enquanto este corpo, a matéria que me viria a constituir já existia, sob uma outra forma; por exemplo nos meus pais, nos alimentos que eles ingeriram, etc. e, quando eu deixar de ser este corpo, a matéria que me constitui continuará a existir, por exemplo como matéria orgânica no solo que, por sua vez, eventualmente, alimentará plantas ou animais e que acabará por os constituir, etc. e, por isso, creio que aquilo que eu sou, independentemente de ser a pessoa que sou agora, é algo que existia muito antes de eu sequer existir como pessoa e que existirá depois de eu existir como pessoa. Por isso, creio que há algo em mim que não muda, que existe desde sempre e que existirá para sempre.
Deste modo, nem todas as propriedades mudam, a eternidade existe e não é a eterna mudança. Então, a eternidade pode ser considerada como a totalidade do tempo, o conjunto de todos os instantes e, por isso, como perduração, mas uma perduração que não acaba, que é incompleta, porque o tempo, sendo sem princípio nem fim, é incompleto, de modo que a eternidade nunca alcança o princípio nem o fim do tempo e este pode ser considerado, também, como perduração, porque não é um instante, nem o antes, nem o depois, mas todos eles e, por isso, é identificado com a eternidade. Identificando tempo e eternidade e não sendo esta a eterna ou constante mudança, o tempo também não é constante mudança. Mas isto apenas porque considerámos que há propriedades que não mudam. Mas há outras que, por sua vez, estão em constante mudança. Então, consideraríamos que o tempo é tanto umas como outras e que, por isso, é e não é mudança (o que não é contraditório, porque "mudança" não está a ser aplicada ao mesmo aspecto de uma mesma propriedade).
A menos que coloquemos a hipótese seguinte: as propriedades que não mudam estão fora do tempo, não são tempo. Mas podemos voltar a perguntar: se são propriedades que recebem propriedades, não mudam ao recebê-las? Aparentemente, sim. Poderíamos, então, colocar outra hipótese: ao invés de elas serem propriedades que não mudam e que recebem propriedades, poderia dar-se o caso de elas se irem transformando noutras propriedades: aquilo que fui antes de ser este corpo, já não é; o que sou, não será; o que serei, será então transformado. Há uma cadeia entre a causa e o efeito, mas o efeito não é a causa, embora sobrevenha dela.
Deste modo, podemos reconsiderar a noção de tempo e afirmar: o tempo é constante mudança. A eternidade é a totalidade do tempo e é incompleta. Ambos perduram, não duram. Não há propriedades eternas. Tudo muda. Mas, se tudo muda, o tempo também muda e o tempo foi conceptualizado como mudança e, por isso, mudar, para o tempo, significa não mudar.
Poderíamos considerar que tempo e eternidade são duas apresentações diferentes de uma mesma propriedade e que a primeira seria considerada como a mudança e a segunda como a imutabilidade. Mas essa não é a minha visão da eternidade. A minha visão da eternidade é: mudança sem princípio nem fim. E é essa também a minha visão do tempo - a eterna mudança. Por isso, ou considero que o tempo não existe, ou considero que nem tudo muda, isto é, que tudo muda, excepto o tempo em relação a si próprio. O tempo existe; lembro-me do passado. Tudo muda menos o tempo em relação a si próprio.
Deste modo, o tempo é eterna mudança, mas não completa mudança. Mas, mais uma vez, a noção de o tempo não ser completa mudança, confunde-me. Porque o entendo como constante e completa mudança, que tudo muda. O que posso, aqui, considerar, é o seguinte: o tempo não tem relação, por si, consigo mesmo. Nós relacionamo-lo e relacionamos todas as propriedades consigo mesmas, na célebre afirmação de que tudo é igual a si próprio. Mas tudo ser igual a si próprio é uma propriedade que existe nas mentes e é criada pelas mentes porque, na verdade, nas propriedades elas mesmas que não uma certa propriedade mental (a que constrói essa relação), essa igualdade não existe, até porque, para que existisse, o objecto teria de existir duas vezes (a=a), o que é impossível, porque algo que é indistinto é numericamente idêntico.
Por isso, o tempo é eterna (e completa) mudança. Por isso, é a única propriedade eterna.
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