"Ser não é, evidentemente, um predicado real. (...)
Cem táleres reais não contêm mais do que cem táleres possíveis. Pois que se os táleres possíveis significam o conceito e os táleres reais o objecto e a sua posição em si mesma, se este contivesse mais do que aquele, o meu conceito não exprimiria o objecto inteiro e não seria, portanto, o seu conceito adequado. Mas, para o estado das minhas posses, há mais em cem táleres reais do que no seu simples conceito (isto é na sua possibilidade). Porque, na realidade, o objecto não está meramente contido, analiticamente, no meu conceito, mas é sinteticamente acrescentado ao meu conceito (que é uma determinação do meu estado), sem que por essa existência exterior ao meu conceito os cem táleres pensados sofram o mínimo aumento.", Kant, Crítica da Razão Pura, pp. 504-5.
Nesta passagem, Kant defende que a existência não é um predicado, uma propriedade. Como defendo que só há propriedades e colecções de propriedades, terei de defender que a existência é uma propriedade ou uma colecção de propriedades.
Os táleres meramente possíveis não têm a propriedade de me permitir comprar alimentos e os táleres reais têm a propriedade de me permitir comprar alimentos. Assim, os táleres possíveis e os reais são diferentes colecções de propriedades. A condição necessária e suficiente para serem diferentes colecções de propriedades é a existência. Ou a existência não é uma propriedade, ou é uma propriedade obscura e confusa (para usar a linguagem de Descartes), ou a existência é a colecção de propriedades que os táleres reais têm e os possíveis não têm. Se não é uma propriedade, não sabemos o que é e não nos permite explicar a diferença entre as colecções de propriedades; se é obscura e confusa, não nos permite explicar nada; se é a colecção de propriedades que os táleres reais têm e os possíveis não, explica-se a diferença mas, no entanto, ficamos em mãos com o problema de que a minha existência, a do leitor, a deste texto, etc., é uma propriedade (ou colecção de propriedades) distinta - E não é? Aparentemente, mas podemos encontrar, em todas as propriedades ou colecções de propriedades que existem, uma propriedade comum, que será a nossa definição.
Uma primeira tentativa: a existência é a propriedade de ter poder causal sobre propriedades ou colecções de propriedades. Esta definição é problemática, se pensarmos que objectos meramente possíveis podem ter, eventualmente, poder causal sobre objectos reais, o que nos levaria a considerar os meramente possíveis como reais (o que é contraditório) ou, para fugir à contradição, a aceitar os possíveis como reais ou rejeitar a hipótese de que os meramente possíveis têm poder causal, o que pode ser difícil, em certos casos (ex. crenças relativamente ao futuro). Podemos considerar, de entre os possíveis, aqueles que podem realizar-se e os que não podem, ou que assim cremos e, a partir daí, rejeitar o poder causal dos últimos e aceitar o dos primeiros. Mas a experiência diz-nos que não é assim. Ou, se quisermos, podemos aceitar que existem todos os objectos possíveis não contraditórios ou até mesmo os contraditórios, o que explicaria o poder causal de objectos possíveis. Mas a existência de objectos contraditórios é impossível, até porque se os objectos são propriedades ou colecções de propriedades é impossível ligá-las se são contraditórias, embora possamos aceitar que existe, logicamente, a propriedade de ser a propriedade da contradição. Para além disso, temos em crer que há objectos que poderiam existir mas acerca dos quais cremos não existirem. Porém, o que está em causa é a própria existência e, por isso, não podemos pressupô-la para determinar o que existe ou não existe. Para simplificarmos o que começa a tornar-se complicado, proponho a seguinte tese - existem todos os objectos que têm poder causal: um objecto existe se, e só se, tem poder causal. Assim, mantemos a definição dada: a existência é a propriedade de ter poder causal sobre propriedades ou colecções de propriedades.
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